Palmério Ameno
Nestas montanhas das “Minas Gerais”, rincões perdidos não existem mais. Aí está sucateado o cerrado com suas saborosas frutas, gabiroba, cagaiteira, gabriola, jatobá, pequi, ingá; os animais, lobo-guará, tamanduá-bandeira, seriema, arara azul, inhambaú-xintã e por aí vai. Fauna e flora resplandecentes, que a insanidade humana vai dizimando cruelmente em escala geométrica, enquanto sua reposição, na aritmética, se faz assustadoramente.
Nestas montanhas das “Minas Gerais”, histórias são relatadas, algumas reais, outras do imaginário. Nesse rico bioma, povoam crenças e superstições diversas, verdadeiras joias da cultura sertaneja e nele vivia o geraizeiro Adelino, que narrava, com sólida convicção, um acontecimento assombroso de arrepiar pentelho de cadáver:
“Eu apossuía uma quinta com boas nascentes, terras abençoadas e morava num casebre cum minha cumpanheira, Aldacélia, e meu filho, Adivair. Nóis tinha boa paz de Deus vivendo do qui nóis plantava na horta e das fruitas nativas ao redor. Tudo de bão acontecia na nossa vivência, até que a ‘diaba’ duma madeireira botou, sem compaixão, suas máquinas serradeiras que iam ceifando as coitadas das árvores, frutíferas ou não, que choravam lágrimas de sangue e faziam a gente cair também em choradeira. Eu mais minha muié e meu filho fizemos uma imploração ao bondoso Curupira (mito do folclore brasileiro protetor das florestas, pune os que destroem a natureza) que expulsasse os disgramados da madereira e vejam o que acontecia: toda vez que um empregado dela ia cortar uma árvore, esta gritava: ‘assassino, o seu patrão vai receber o troco!’. Quando o tronco era içado no engenho de serra, ele adesaparecia misteriosamente como lua atrás de nuvem. Apavorados pelo que ocorria, os danados abandonaram máquinas, serras e sumiram. O tempo foi passando e a Aldacília começou a notar algo esquisito em uma frondosa e robusta caviúna, a qual reinava pomposa ao lado do casebre. É que ela começou a florir em cores e formas diferentes. Ô gente, qui lindeza isto! Passou muito tempo e o meu maior susto e espanto, ocês pode até num acreditá mas é uma verdade verdadeira; num é qui a minha caviúna começô a dar fruto de toda espécie? Galhos pejados de gabiroba, jatobá, cagaiteira, pequi, gabriola, ingá e até o araticum cagão? E cada caroço qui disprendia era uma árvore de fruita que nascia, inté que um dia tava eu modorrando debaixo da caviúna, cuchilei um pouco, quando ouvi ela falá: ‘Adelino, de agora indante vou pará de dá fruitas, porque ocê já tem todas as árvores de novo!’ Viva o nosso curupira!”.
Bem… se é que mito vive. Eu acredito.