Elian Ozéias
Você conhece quantas mulheres que criam filhos sozinhas? E quantos homens fazem o mesmo? Os números divulgados pelo IBGE em outubro de 2023 confirmam o que a vida já mostrava: no Brasil, ser mãe solo é regra; ser pai solo, exceção.
Segundo dados do Censo Demográfico de 2022, há 10,3 milhões de lares chefiados por mulheres que moram apenas com os filhos, contra 1,6 milhão de domicílios comandados por homens nessa mesma condição. Ou seja, 86,4% dos lares monoparentais têm uma mulher como única responsável. A diferença é brutal, são quase seis vezes mais mães solos do que pais.
Em Divinópolis, os números nacionais se refletem na rotina de milhares de mulheres, muitas vezes invisíveis aos olhos do Estado e da sociedade. É o caso de Sônia Aparecida, ou simplesmente Dona Sônia, mulher de 53 anos que representa, com corpo e alma, a força silenciosa de tantas mães brasileiras.
Dona Sônia
Nascida em Divinópolis em 1972, Dona Sônia cresceu em meio à precariedade. Foi com os pais e sete irmãos para a cidade de Paracatu, no Noroeste de Minas, em busca de melhores condições de vida. Mas o que encontrou foi um barracão sem energia elétrica e muitos dias de luta.
Aos 17 anos, engravidou de sua primeira filha, que nasceu com deficiência auditiva. Ela viveu até os 35 anos, quando morreu nos braços dela, após uma parada cardiorrespiratória.
— Eu estava me arrumando para sair quando ela entrou com dificuldade para respirar e caiu nos meus braços. Chamei o Samu, mas demoraram demais. Ficamos eu e ela no sofá… E eu sabia que ela já tinha ido. Do mesmo jeito que nasceu, morreu no meu colo — revelou.
A dor, segundo ela, quase a fez desistir de viver.
A mãe, o sustento, a esperança
Ao longo da vida, Dona Sônia enfrentou relacionamentos abusivos, humilhações e violência doméstica.
Para seguir em frente, precisou deixar o emprego formal e voltar a trabalhar como doméstica, emprego que ainda atua, pois era a única maneira de cuidar das crianças pequenas.
— Tive que pedir demissão porque não tinha com quem deixar meus filhos. Trabalhava em casas onde podia levá-los, quando os patrões não estavam. Nunca tive ajuda. Só minhas mãos e minha fé — afirma.
Hoje, segue firme, embora cansada. Acorda às 3h da manhã para limpar salões de festas e casas de estudantes universitários.
— Trabalho para terminar de pagar o túmulo da minha filha. Ninguém me ajuda. Mas para Deus, nada é impossível. Já caí sozinha na rua, achei que ia morrer antes de ver meu filho se formar, mas estou aqui, firme — relata.
Realidade persistente
Levantamento do IBGE mostra que 49,1% dos lares brasileiros têm mulheres como responsáveis, um salto em relação a 2010, quando esse número era de 38,7%. Em 10 estados, a maioria das casas já é chefiada por mulheres, como em Pernambuco (53,9%) e Sergipe (53,1%).
Apesar disso, as políticas públicas e oportunidades de trabalho ainda não acompanham essa nova configuração familiar. Muitas mães solos vivem em situação de vulnerabilidade e têm acesso limitado à educação, capacitação profissional e creches, elementos essenciais para romper o ciclo da pobreza.
Os dados do Censo ainda apontam que os domicílios formados apenas por mães ou pais com filhos representam 16,5% dos lares brasileiros, número praticamente igual ao de 2010 (16,3%). No entanto, a composição interna mudou. Os casais com filhos em comum diminuíram de 41,3% para 30,7%, enquanto aumentaram os domicílios com casais sem filhos e famílias não tradicionais.
A história que não aparece no Dia dos Pais
Neste mês, quando muitas campanhas publicitárias exaltam o “pai-herói”, o provedor, o presente, é preciso lembrar que milhões de crianças têm nas mães a única referência, o único colo, a única proteção.
Dona Sônia é uma dessas mães. E como ela, tantas outras sustentam a casa, educam os filhos, enfrentam a solidão e, ainda assim, sorriem quando veem um filho formado ou um neto que nasceu saudável.
Sua maior frustração?
— Filho criado é trabalho dobrado. Larguei minha vida por eles, e alguns não largam um minuto por mim —relata.
Reconhecer, apoiar e respeitar
Para especialistas nas áres social e psicológica, a realidade de mães solo como Dona Sônia precisa ser olhada com seriedade. Para eles, o que elas fazem todos os dias é mais do que cuidar: é resistir. É manter de pé o que, sem elas, desmoronaria.
— Não basta celebrar o amor de mãe em datas comemorativas. É preciso garantir que elas tenham dignidade, oportunidade e descanso — ressaltam.
Como mostra a história de Dona Sônia, nem todo mundo tem um pai herói, mas muitos, felizmente, têm a força de uma mãe.
