O Brasil assiste, mais uma vez, a uma tragédia que poderia — e deveria — ter sido evitada. O nome de Renê da Silva Nogueira Júnior, 47 anos, voltou a estampar manchetes. Empresário, ficha criminal extensa e, segundo a polícia, protagonista de mais um episódio de violência covarde. Na manhã de segunda-feira, em Belo Horizonte, ele teria tirado a vida do gari Laudemir de Souza Fernandes, 44 anos, um trabalhador que ajudava a manter a cidade limpa.
O que choca não é apenas a brutalidade do crime — o disparo contra um trabalhador seguido de uma saída “tranquila” e de “semblante bravo”, como relataram testemunhas. O que revolta é o histórico. Em 2011, no Recreio dos Bandeirantes, zona Oeste do Rio de Janeiro, Renê foi indiciado por homicídio culposo pela morte de uma mulher de 50 anos em um acidente de trânsito. Conforme o registro policial, ele dirigia em alta velocidade. Uma vida ceifada. Ele também é suspeito de envolvimento em crimes de lesão corporal, extorsão e perseguição.
É aqui que reside a ferida exposta: a impunidade é o combustível da violência no Brasil. Quando crimes graves não geram punições proporcionais, quando processos se arrastam por anos, quando a sensação de que “nada vai acontecer” se consolida, criamos um ciclo doentio. O criminoso reincide porque sabe que o sistema é moroso, leniente, previsível na sua incapacidade de fazer justiça. A vítima, no entanto, não tem segunda chance.
No caso de Renê, não estamos diante de um “acidente isolado”, mas de um padrão. Um padrão de conduta violenta que se sustenta justamente porque o Estado brasileiro é incapaz de cumprir, de forma célere e rigorosa, o papel de aplicar a lei. O motorista imprudente de 2011, que matou uma mulher, tornou-se, anos depois, o homem que atiraria contra um gari desarmado no meio da rua. O tempo que separa um crime do outro foi preenchido por liberdade, oportunidades de recomeçar, e possivelmente novas infrações — mas não por justiça.
Enquanto isso, as famílias choram. Laudemir deixa esposa, uma filha de 15 anos e enteadas. Deixa também colegas que, todos os dias, enfrentam o trânsito e a falta de respeito de parte da população para realizar um trabalho essencial. O gari, símbolo de serviço público silencioso e invisível, morreu exercendo seu ofício, atingido por uma violência que nasce da arrogância e se sustenta na certeza da impunidade.
Quantos casos semelhantes precisaremos testemunhar para que a legislação seja revisada? Quantos criminosos reincidentes precisarão ganhar as ruas para que se perceba que não se trata apenas de endurecer penas, mas de garantir que elas sejam cumpridas, sem brechas que transformam a justiça em uma farsa?
O discurso de que “a lei é para todos” não resiste a casos como esse. No Brasil, quem tem poder econômico, influência ou bons advogados raramente experimenta o peso real da punição. Enquanto isso, famílias comuns, como a de Laudemir, são condenadas a uma pena perpétua de dor.
A tragédia no bairro Vista Alegre não é apenas um crime de homicídio. É um atestado de falência do sistema de Justiça criminal. Um sistema que, ao falhar, não só abandona as vítimas como também estimula agressores a repetir seus atos. A impunidade, nesse sentido, não é passiva — ela é ativa, parceira do criminoso, coautora silenciosa de cada nova violência.
Renê da Silva Nogueira Júnior pode até ser preso, investigado, processado. Mas, para a sociedade, o que importa é saber se, desta vez, a história vai parar por aí. Se o caso de Laudemir será o último capítulo de uma carreira criminosa ou apenas mais um episódio de um enredo já conhecido, em que a justiça chega tarde demais, ou simplesmente não chega.
O Brasil precisa decidir se quer continuar sendo o país em que matar — uma vez, duas vezes, quantas forem — é apenas um detalhe no currículo de quem sabe como driblar as consequências. Porque, enquanto essa decisão não for tomada, outros “Renês” estarão por aí, prontos para encontrar novas vítimas. E a única certeza será a de que, no país da impunidade, ninguém está a salvo.
