Aliada na prevenção do câncer

Quando pensamos em prevenção do câncer, raramente o primeiro pensamento que nos ocorre está relacionado ao que colocamos no prato diariamente. No entanto, estudos recentes apontam que cerca de 30% dos casos de câncer poderiam ser evitados apenas com mudanças na alimentação e no estilo de vida. Este dado não é apenas um número – representa milhares de vidas que poderiam ser poupadas do sofrimento causado por esta doença que ainda assusta tantos brasileiros. Em meus 20 anos de consultório, tenho observado como a relação entre alimentação e saúde ainda é subestimada pela maioria das pessoas. Muitos pacientes chegam até mim buscando emagrecimento, mas se surpreendem ao descobrir que uma alimentação equilibrada vai muito além da estética – é uma poderosa ferramenta de proteção contra doenças graves, incluindo diversos tipos de câncer.

O PODER PREVENTIVO DOS ALIMENTOS

Certos alimentos contêm compostos bioativos capazes de interferir diretamente nos mecanismos celulares relacionados ao desenvolvimento do câncer. Não se trata de “superalimentos milagrosos”, como muitas vezes vemos em manchetes sensacionalistas, mas de um conjunto de nutrientes que, consumidos regularmente, fortalecem nosso sistema de defesa contra células cancerígenas.

Os vegetais crucíferos, como brócolis, couve e couve-flor, são ricos em sulforafano, composto que estimula enzimas de desintoxicação no fígado, auxiliando na eliminação de substâncias potencialmente cancerígenas. 

Em um estudo conduzido pela Universidade de São Paulo, mulheres que consumiam estes vegetais pelo menos três vezes por semana apresentaram 41% menos risco de desenvolver câncer de mama quando comparadas àquelas que raramente os incluíam na alimentação.

Já os frutos vermelhos e roxos – como mirtilo, amora, açaí e jabuticaba – são verdadeiros tesouros nutricionais. Suas antocianinas, responsáveis pela coloração característica, são potentes antioxidantes que combatem os radicais livres, moléculas instáveis que podem danificar o DNA celular e iniciar o processo de carcinogênese. 

O azeite de oliva extravirgem, elemento central da dieta mediterrânea, contém compostos fenólicos com propriedades antiinflamatórias. A inflamação crônica é reconhecidamente um terreno fértil para o desenvolvimento de tumores, e o consumo regular deste óleo tem sido associado a menor incidência de cânceres do trato digestivo. Vale ressaltar que o azeite deve ser consumido preferencialmente cru, já que o aquecimento em altas temperaturas pode degradar seus compostos protetores.

A IMPORTÂNCIA DO QUE EVITAR

Tão importante quanto incluir alimentos protetores é limitar aqueles que aumentam o risco. A carne vermelha processada (linguiças, salsichas, presuntos e similares) foi classificada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como carcinogênica para humanos, especialmente relacionada ao câncer colorretal. Isto não significa que precisamos eliminá-la completamente, mas sim consumi-la com moderação – idealmente não mais que 300g por semana. Alimentos ultraprocessados, aqueles que passaram por múltiplas transformações industriais e contêm aditivos como conservantes, corantes e realçadores de sabor, também estão no radar dos pesquisadores. Um amplo estudo francês acompanhou mais de 100 mil participantes por cinco anos e encontrou associação direta entre o consumo destes produtos e maior risco de câncer. Cada aumento de 10% na proporção de ultraprocessados na dieta estava ligado a um aumento de 12% no risco geral de câncer.O açúcar refinado, presente em doces, refrigerantes e até em produtos que não consideramos doces, como molhos prontos e pães industrializados, também merece atenção. Além de fornecer “combustível” para células cancerígenas, que tipicamente têm metabolismo acelerado, o consumo excessivo de açúcar está ligado à obesidade e resistência à insulina – ambos fatores de risco independentes para diversos tipos de câncer.

COLOCANDO EM PRÁTICA

Transformar conhecimento em ação cotidiana é o verdadeiro desafio. Algumas estratégias práticas incluem:

Colorir o prato: busque incluir vegetais de cores variadas em cada refeição. Diferentes cores indicam diferentes compostos protetores.

Redescobrir alimentos in natura: priorize alimentos que mantêm sua forma original ou passaram por processamento mínimo.

Planejar refeições: dedicar algumas horas por semana ao planejamento alimentar reduz a dependência de opções ultraprocessadas nos momentos de pressa.

Valorizar temperos naturais: ervas como cúrcuma, gengibre, alecrim e tomilho não apenas enriquecem o sabor, mas contêm compostos com propriedades anticâncer.

Hidratar-se adequadamente: a água é essencial para todos os processos de desintoxicação do organismo.

A prevenção do câncer através da alimentação não é uma promessa de imunidade absoluta, mas uma estratégia sensata para reduzir riscos. Cada garfada é uma pequena decisão que, multiplicada por milhares ao longo da vida, pode significativamente alterar nossa trajetória de saúde. Como sempre digo aos meus pacientes: não precisamos de perfeição, mas de consistência. Pequenas mudanças sustentáveis têm mais impacto que transformações radicais temporárias. O câncer é uma doença complexa e multifatorial, mas a boa notícia é que temos ao nosso alcance, diariamente, uma ferramenta poderosa de proteção: nossas escolhas alimentares.

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