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Quem é o dono da verdade?

by JORNAL AGORA

Geralda, professora dedicada e competente, inicia o ensino das cores aos alunos do maternal. Pegando uma prancha vermelha, pergunta qual a cor e recebe da primeira criança a resposta: não sei. A segunda responde: é vermelha. E a terceira diz: é marrom. Ela repete a pergunta: tem certeza que é marrom? E recebe a resposta afirmativa.

Resolve pegar uma prancha verde e pergunta a cor, recebendo da terceira criança a resposta de que é rosa. Com esse procedimento, ela descobriu que um de seus alunos é daltônico. Aí voltamos à pergunta do nosso texto: quem é o dono da verdade?

Naturalmente, a maioria das pessoas responde que é a segunda criança, pois a prancha é vermelha. Certo para o senso comum, que é a resposta imediata processada pelo nosso cérebro. Porém, algumas pessoas vão refletir sobre o assunto e demonstrarão uma dúvida: será que posso dizer que a terceira criança está mentindo? Afinal, dentro da sua realidade, o vermelho se apresenta como marrom. O daltônico nunca vê o vermelho e, por isso, a criança não mentiu. Ela falou a verdade, de acordo com aquilo que a sua visão captou. Concluindo, é possível existir mais de uma verdade – ou até mesmo nenhuma.

Nesse sentido, precisamos de cautela para afirmar que estamos com a verdade e o outro mentindo. Muitas vezes, esquecemo-nos de refletir melhor, de buscar entender os motivos que levaram o outro a dar aquela resposta. Será que pelas condições que o fato se desenrolou a resposta não foi coerente? Será que eu, nas mesmas condições, não daria uma resposta igual? Em síntese, dizer que alguém mente sem refletir sobre tudo isso é muito arriscado! A nossa chance de fazer um falso testemunho é grande e nem sempre a vida nos dá a oportunidade do perdão. 

Para a filosofia, a busca da verdade é a razão de sua existência. Antigamente, Platão e Aristóteles (século IV a.C.) acreditavam que a verdade já estava pronta, mas divergiam como e onde encontrá-la. Depois de René Descartes (século XVII d.C.), sabemos que ela é construída a cada momento, mas a divergência persiste sobre como se dá esta construção (racionalistas x empiristas). 

Em síntese, para a filosofia, a busca da verdade continua sendo o desafio e, muitas vezes, sem um resultado exitoso. Quando estudamos a história descobrimos conceitos filosóficos que o tempo demonstrou inverídicos. Outras vezes uma verdade se desfaz, porque os fatos que lhe davam sustentação desapareceram. No nosso exemplo acima, isso ocorreria com a descoberta de um tratamento eficaz para o daltonismo. 

Quer dizer então que preciso ser filósofo para dizer a verdade? Claro que não. O que precisamos aprender com a filosofia é a prudência, pois ela é a senha para a verdade. Se nascemos com dois ouvidos é porque precisamos escutar mais do que falar. Escute primeiro, deixe a sua consciência absorver calmamente o que o ouvido lhe trouxe. Não responda de supetão, pois a primeira “verdade” sempre é frágil. Reflita sobre outras possibilidades, principalmente se colocando do outro lado. Ao final, você terá falado menos, mas a sua fala tem muito mais valor e será levada a sério. E não se esqueça: “quem fala muito dá bom dia a cavalo”.   

Se você achou interessante, acompanhe a nossa coluna aqui no Jornal Agora. Sempre nas 3ª feiras, a cada duas semanas. Na próxima edição, o assunto será: A moral e a ética

Alberto Gigante Quadros

  Médico / Pós-graduado em Bioética pela Unesco 

Graduando em Filosofia pela UFSJ

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